Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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E se for tudo mentira?

A própria indústria subverte a moda de séries, filmes e podcasts baseados em uma 'história real'

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Numa indústria totalmente submetida à lei da oferta e da procura, como o audiovisual, um dos produtos mais vendidos hoje é o que promete contar "uma história real". O interesse do público por séries, filmes ou podcasts que trazem esse selo não dá sinais de diminuir. Ao contrário. É uma onda em alta.

Cena da série 'Only Murders in the Building'
Cena da série 'Only Murders in the Building' - Divulgação


Tão em alta que a própria indústria já está rindo, com o sucesso, de si mesma. A série "Only Murders in the Building" (Star+), lançada em 2021, foi a primeira a fazer piada com a mania americana pelos podcasts de "true crime". A quarta temporada tem previsão de estreia em agosto.


Esta semana, chegou por aqui "Baseado em uma História Real" (Globoplay), outra série que ri dessa mesma obsessão. Sem a sofisticação do programa protagonizado por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez, a nova série conta a história de um casal falido que decide produzir um podcast sobre um serial killer com a ajuda do próprio criminoso.

Protagonizada por Kaley Cuoco (a musa de "The Big Bang Theory"), a série tripudia sobre a ideia de que o selo "baseado em uma história real", de fato, é um atestado de autenticidade que confere um valor a mais às produções ficcionais.

Cena da série 'Baseado numa História Real'
Cena da série 'Baseado numa História Real' - Divulgação


Matt, o dublê de encanador e serial killer, vivido por Tom Bateman, reclama a certa altura que a edição do podcast não está fazendo justiça ao seu talento como assassino: "Não parece autêntico. Não parece real. Tenho que proteger a minha marca".

Grande sucesso do mês passado, "Bebê Rena" (Netflix) deve muito da sua repercussão ao compromisso anunciado logo na abertura. Não é uma série "baseada" ou "inspirada" em fatos reais. A promessa de Richard Gadd, autor e protagonista da trama, é mais enfática: "Esta é uma história verdadeira".

No papel de Donny, Gadd relata ter vivido duas histórias dramáticas tipificadas como crimes, o assédio e perseguição praticados por Martha, uma mulher apaixonada, e o abuso sexual cometido por um homem chamado Darrien.


Uma semana após o lançamento, aparentemente assustado, Gadd pediu aos fãs que parassem de "investigar" quem seriam os verdadeiros autores dos crimes. Na semana passada, Fiona Harvey, a suposta "Martha da vida real", como foi apresentada, deu uma entrevista negando que tenha perseguido Gadd. Segundo ela, a caracterização da personagem na série prejudicou a sua vida.

A história contada em "Bebê Rena", o pedido de Gadd, a entrevista de Fiona: e se for tudo baseado em fatos irreais? Não seria mais interessante?

Ryan Murphy, na recém-lançada "Capote vs the Swans" (Star+), lidou melhor com essa situação. Baseada em um livro, "Capote´s Women", de Laurence Leamer, que promete contar "uma história verdadeira de amor e traição", a sua série toma várias liberdades e encena inúmeras situações totalmente ficcionais.

"Capote vs the Swans" chegou à TV americana no final de janeiro. Ao longo dos meses seguintes, cada episódio lançado foi submetido a uma espécie de "detector de mentiras" pela imprensa especializada em chiques e famosos.


Atenção, spoiler: dois dos melhores episódios são totalmente inspirados em fatos irreais. No terceiro, Murphy apresenta um baile que Capote de fato organizou em Nova York como se fosse um documentário dos irmãos Maysles, criadores do chamado "cinema direto". Esse doc não existe. Na vida real, a dupla fez um filme sobre a repercussão de "A Sangue Frio", o livro mais famoso de Capote.

O sexto episódio relata um dia inteiro em que o escritor James Baldwin passou em companhia de Capote em Nova York, tentando convencê-lo da importância do seu trabalho como escritor. Segundo os checadores de notícias, esse encontro nunca ocorreu. Ainda há espaço para a ficção, ufa!

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